terça-feira, 2 de junho de 2015

Banco Universal do Limbo ©

Imagem meramente ilustrativa da moeda oficial do Limbo.
Esqueci de contar pra vocês que desenho pra caralho.


Recuso-me a pensar em juízo final em que a nossa análise seja feita que nem um contador faz nosso imposto de renda. “Você xingou o motorista de ônibus no da 23 de janeiro de 1997, às 14:32. Ele não tinha culpa de trabalhar num sistema que exigia que ele lotasse tanto o ônibus. Você deve mais 10 limbos.”. Nisso, por cada ato julgado falho seu iria ser convertido na moeda do apocalipse, limbo ou L$, e iria trabalhar pra Limbo Corporation ™, até pagar seu débito e poder “descansar em paz”. Seja lá o que isso signifique.

                Terrível. Atos capitalistamente cobrados e negociados. E eu tenho certeza que, se a moda pega, logo vamos cobrar limbinhos dos outros pelas mágoas causadas. Tem quem diga que tudo tem seu preço, não é? Talvez o limbo nem seja a moeda oficial. Por aqui a gente se entende com real, dólar, peso, ou seja, qual for a relativa moeda de sua dor.

                Isso já acontece, claro. Algumas igrejas já converteram o L$ em dinheiro terráqueo e alguns bastante maleáveis já estão pagando suas casas em seja lá onde eles acham que vão depois de morrer. Já o sistema jurídico virou babá e contadora de problemas emocionais. Alguns casos a gente releva, mas há uma hora que nós vamos ter que nos perguntar: tudo é mesurável? Existe unidade de medida para sentimentos?

                Lógico que não! Não venha com suas exatas, que eu sou de humanas! NÓS somos de humanas. O mundo em que se calcula o subjetivo e intrínseco só pode ser um pesadelo. E é nele que nós estamos vivendo.

                Desde que descobri que eu teria que ABNTzar minhas falas e referenciar o que me ensinaram, eu tenho uma grande mágoa da academia. Vou cobrar 1000 limbos deles? Não. Pelo menos eu aprendi que o mundo subjetivamente científico (?) não é pra mim. E mesmo assim, eu ia cobrar de quem? De professores e professoras? De professores e professoras deles? Da universidade? De quem fundamentou essa forma de ensino e pesquisa ridícula?

                E de quem vou cobrar minha dor e minhas lágrimas? De quem tanto tenta absorver minha confusão, acaba se intoxicando também? De quem me intoxicou? Dos primeiros chefes do patriarcado? Dos cabeças que estabeleceram os fundamentos do capitalismo? Dos grandes mestres da comunicação que ensinaram que com ela se prepara o povo pro abate? De Deus? Do meu vizinho? De mim mesma?


                Todos nós temos culpa de tudo. E não há quem bote preço nela. Caros ou não, todos temos débitos profundos que não são monetizáveis. Não há algoritmo que meça aquilo que só o amor e a quebra de paradigmas podem resolver.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Colecionadores de dados

Até a 8ª série do Ensino Fundamental, hoje em dia 9ª, eu sempre tirei notas muito boas. Havia quem abrisse a boca pra dizer que eu era a melhor aluna da escola. Eu preferia que ficassem de bico calado, tanto pela tolice dessa afirmação, quanto pra fugir do bullying nosso de cada dia. Eu, gorda com “cabelo ruim” (que horror, esse termo) aprendi que naquele tempo era melhor pra mim não chamar atenção. Hoje em dia é outra história, mas meio que concordo com a Isolda daquele tempo.

Ser uma boa aluna era até fácil para mim. O saber me era bastante novo e eu o devorava como forma de sobrevivência. Ficava encantada até com matemática e física (o que é impensável pra mim hoje em dia)! Eu achava quase tudo muito interessante. E até aquela série não havia tirado nenhuma nota baixa. Um belo dia, um professor de Filosofia resolveu me dar uma nota baixa. Se me lembro bem, era mês de setembro e eu já estava com nota suficiente pra passar em tudo. Menos em Filosofia. E quando vi minha prova e comparei com a dos colegas, vi que a única diferença é que eu não havia repetido letra por letra aquilo que havia sido me ensinado. Usei minhas próprias palavras. Que erro absurdo de minha parte!

Foi ali que comecei a perceber que o ensino não é tão maravilhoso quanto eu achava que era. No ensino médio, mudei para outro colégio, mas continuei com boas notas. Porém, o incômodo aumentou. Eu não via muita graça naquilo que era ensinado. Foi ali que eu, sem saber ao certo, começava a dividir conhecimento de informação. Ok, ainda tenho uma ideia vaga do que seja um ciclo de Krebs; mas do que me serve esse tipo de informação hoje em dia? Nada. É algo pra eu me gabar que tenho uma memória de capacidade até razoável. Mas desculpa, ciclo de Krebs, eu sou (quase) jornalista. Se eu precisar falar sobre Biologia, eu vou entrevistar de um biólogo.

Lembro que eu me convencia que tinha que estudar algo por talvez haver alguma serventia na minha vida. Mas houve um momento em que não deu mais pra me convencer. Na metade do 2º ano do ensino médio, eu não fazia mais do que o básico para passar de ano. Tinha raiva de ir à escola. Detestava ter que decorar mil coisas para fazer uma prova e esquecer tudo logo depois. E ainda tinha (e tem) professor que se revoltava quando nos questionava sobre a prova passada. Ninguém lembrava. Havia sido nos passado dados, não conhecimento. Se houvesse algum sentido para nossa existência, talvez houvesse algum interesse para se aprender.

Por ter percebido muito cedo que acúmulo de dados não me faz crescer, eu não tenho títulos acadêmicos pomposos. Não passei no vestibular num curso que faça meus pais extremamente orgulhosos e que vá me dar muito dinheiro. Antes eu já não tinha paciência, agora tenho ojeriza a estudar para concursos. Meu conhecimento não se mede em números. Meu saber não se encaixa em citações e regras da ABNT. Tentar me encaixar nisso tudo me deixou doente. Por isso, estudo e faço o que gosto, na hora que quero. E isso dificilmente dá dinheiro. Por não ser colecionadora de dados, fui destinada a tentar viver feliz com o conhecimento que me agrada, mas sem brilhar com medalhas, diplomas e cédulas.


Um dia espero viver no mundo onde se ensina aquilo que agrega conhecimento, constrói e descontrói paradigmas. Dados, que sejam utilizados; conhecimento, que seja levado pro resto da vida. Se você ver os olhos de uma criança brilharem a ver o processo de crescimento de uma planta, ou com o ronco de um carro, ou com os grandes contos da literatura, a encaminhe para o que lhe agrada. Comigo isso não acontece. Por isso, vou crescendo como posso, me curando daquilo que me impuseram a fazer. Sou sobrevivente do sistema de (des)ensino desse mundo que gira ao redor do efêmero.