domingo, 25 de dezembro de 2011

Desperdício

Eu deveria, como alguém que não liga pra muito para padrões, mensurar a vida como algo extenso, com grandes saltos e pequenos saltos, sem dividi-los em temporadas de duração exata. Mas, me rendendo à necessidade patética do ser humano de padronizar tudo, lá vou eu analisar o que fiz esse ano. E o que eu acho, olhando pra trás, são vários tiros no escuro. E quando se acenderam as luzes, eu tinha acertado somente a mim mesma. Nada funcionou. Talvez com a luz eu tenha enxergado que com muita coisa eu gastei munição à toa. Quanto mais eu atirava, mais meus alvos pareciam mais distantes. E no fim eu o vi realmente não me pertenciam.

O que eu não esperava veio a mim calmo, quieto, sentou do meu lado como quem não queria nada e ficou. Não precisei fazer muita coisa. Foi olhando pra essa calmaria que eu percebi: Eu não consegui o que queria porque eu tento demais. E do meio pro fim, eu abaixei minhas armas e joguei tudo pro ar. E meus alvos sumiram. Só o calmo e sincero que me veio do nada ficou. E assim vai ser. Vou cuidar dele, somente dele. Se a graça de todos era me ver tentar e falhar, agora o show acabou. Junto com o ano de munição desperdiçada que está indo embora também.

domingo, 4 de setembro de 2011

Quando eu encontro a pior parte

Acho que depois de ter passado pelos mais diferentes tipos de dores possíveis, finalmente encontrei a pior delas. Mas isso depende muito da pessoa. Isso seria um alívio para muitos. Pra mim, pessoa que insiste em permanecer consciente de tudo, mesmo intoxicada às vezes, isso é quase uma tortura medieval. Não me imagino como uma pessoa que segue sua rotina, sendo mais uma dobradiça desse sistema que deveria fluir sem tanto mecanismo pra comprimir nossos desejos. Não sou um desses, não mesmo. Só em um aspecto, ando agindo como.

Depois de tanto tempo, achei que não pudesse mais achar sentimentos piores que pudessem mudar minha forma de ver o mundo. Logo eu, que dificilmente supero uma mágoa, só acumulo. Esse agora chegou só pra me dizer que eu posso, sim, ter mais raiva do que sou e me fazer pensar que eu nunca vou poder mudar. E pensando bem, só ele poderia fazia isso:

O desamor.

Ele invadiu tanto partes de mim que eu já deixo de relevar certos atos, certas pessoas e certos ambientes que eu costumava tolerar ou pelo menos conseguir conviver ao lado. Já não aguento calada. Já não consigo esconder minha raiva. Já não consigo não mostrar que não me resta mais esperança em boa parte da minha vida.

Tá ai. Surpreendentemente, consegui ficar mais arrogante.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Ciclo

Do fundo de um lago eu emergi. Nadei, sem muita pressa, até a margem. Quando vi que ia imergir novamente, nadei mais rápido. Sai andando pela margem, tateando, sem enxergar muito bem. Enxuguei-me daquela água que parecia querer penetrar em todos os meus poros à força e continuei. Caminhei estrada a frente, sem saber direito onde ela iria dar.

Na estrada, tudo era cinza. Previsivelmente, tudo ao redor dela era do mesmo jeito sempre, sem mudança nenhum e nenhuma vontade de mudar. Caminhei por ela por um bom tempo, procurando algo que me acordasse daquilo que parecia um sonho tedioso. E aquilo não vinha. Meus pés, descalços, já estavam cansados demais pra me sustentar por tão longo caminho sem destino certo.

Cheguei a algum lugar. Árvores cercavam algo que só daria pra ver se eu seguisse um pouco mais adiante. Não hesitei em atravessar as árvores, me machucando em seus espinhos, já que poderia ali achar o que tanto procurei. Vi margens rodeando águas calmas. No centro delas, um lago espelhado, que refletia tudo aquilo que eu tanto busquei andando naquela estrada aquele tempo todo. Iludida que ia ter tudo aquilo pra mim, mergulhei. Enquanto afundava, assistia meus desejos passarem por mim, deixarem seus cheiros e suas glórias bem perto, e partindo tão rápido quanto um desejo efêmero passa por alguém. Talvez o lago estivesse me julgado erroneamente. E depois de quase enlouquecer, tentando agarrar meus desejos dissolvidos nas águas, tive que respirar. Aquele ar fétido lá de fora ainda me deixa viva. E do fundo de um lago eu emergi novamente. De frente de uma estrada que parecia a mesma de antes.


P.S.: Se eu me arriscaria mais um vez por uma estrada cinza e por uma floresta cheia de espinhos? Sim. Até que minha estrada mude de cor. Ou até quando meus pés aguentarem.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

As leis de sempre

Vai, entra
Atravessa este canal
Dê voltas em mim
Olhe lá e diga
Se há algo amoral
Se há algo inexplicável
Que eu possa fazer hoje

Confirmou minha falta de vontade?
Entre mais um pouco
Cheire o que eu repudio
Traga o que eu não sinto saudade
Force-me ao que evito

Conseguiu me deixar vulnerável?
Ata-me às tuas correntes
Controla lá de cima
Veja-me descer ao subir
Deixá-los subir
Deixá-los sucumbir

Arrasta-me para essa dimensão
Tão desejada, tão ansiada
Aquela pela qual eu voei
Aquela onde eu apaguei

Acordei agora e olhei
Só vi resto do que não restava
Não sei em que lado parei
Abri, deixei entrar
Perdi

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Aquela do carnaval com fim e sem finalidade

Muito à contra gosto, José desacordou quando o Sol ainda estava pensando em abrir os olhos diante daquele lugar. Como todo dia, engoliu alguma coisa pra se manter em pé e se arrumou, semi-acordado, pra enfrentar mais um dia de trabalho. Com a quase consciência de quem já faz tudo meio que mecanicamente, ele partiu. Não pra mais um dia, mas pro mesmo dia. O mesmo de ontem, de anteontem e talvez o de amanhã. Talvez.
Pelo menos esse dia tinha um aditivo: Vinha com aquela recompensa que ia embora antes que José pensasse em querer mudar de vida. O salário que, uma vez ou outra, proporcionava uma euforia passageira, das quais ele mal se lembrava. O álcool fazia-lhe o favor de apagar da memória as tolices que dito e a libido que tinha espalhado nas noites em claro. As costas do fim do mês eram, pelo menos pra ele, motivo suficiente para tentar achar solução ou esquecimento nas moléculas de alguma bebida ou na saliva de alguma mulher especialmente barata.
Depois de horas e horas vendo rostos, números, concreto e suor, alguma mixaria lhe foi dada. E assim ele foi direto pra mais uma noite turbulenta, onde procuraria mais uma vez procuraria respostas ou não-memórias em lugares inusitados. Mas logo depois de chacoalhar dentro de um meio de transporte junto com outros Josés, ao ser regurgitado, foi abordado por um José um tanto quanto cansado da rotina mecânica de quem prefere não tomar o que não lhe é de direito. Ficou sem ter como voltar para o seu lar, seu ponto de retorno. Sem ter como pagar contas. Sem pseudo-solução para nada.
Desesperado, foi andando rumo à sua casa, ainda bem longe. As ruas dali, esquecidas pelos que seriam responsáveis por elas, estavam tão vazias e escuras como a carteira de José. Ele aproveitou que não havia nem sinal de outra pessoa por ali e soltou seu desabafo solitário. Ou não.
- Deus, o que foi que eu te fiz de errado? Será que dá pra ficar pior do que isso?
Alguém responde, logo atrás do poste.
- Eu posso providenciar isso, se você quiser.
- Outro assaltante? – disse José - Agora nem se você quisesse eu teria algo pra lhe dar. Outro já me tomou tudo. Vá roubar outro.
- Quem dera fosse que eu quisesse só seu dinheiro. O que eu quero de você é bem mais caro. E ao mesmo tempo, é um presente.
- Aff, mais um bêbado. Quem é você?
- Sou aquele que pra quem você destina seus pedidos mais íntimos, sendo tolos ou não. E pra quem você fez aquelas perguntas de ainda pouco.
- Eu pensava que era só álcool, mas você usou droga da pesada mesmo. Vai pra casa, rapaz. Sua mãe deve estar preocupada.
Deus riu e disse:
- Sinceramente, se eu não fosse Deus, eu seria um perdido qualquer como você, desesperado por estar a essa hora na rua. Nenhuma alma terrena com algum juízo passa por aqui. Eu pareço desesperado?
- É, não. Aliás, parece bem alegre. Parece que ganhou na loteria ou algo assim.
- Digamos que é algo bem melhor. Algo que ninguém pode me tomar, apontando uma faca ou um revolver pra mim.
- E o que é?
- A chance de resgatar um filho querido.
- E quem é esse filho?
- Você, José.
José fez uma careta e virou as costas.
- Tá, fica ai achando que me fez que eu vou pra casa.
Deus continuou parado onde estava, mas falou um pouco mais alto, pois José já ia mais à frente.
- Casa, José? Você chama aquele amontoado de tijolos onde você estica seus ossos, exatamente como um zumbi, de casa?
José voltou e olhou bem pra cara de Deus.
- Foi o que eu consegui, tá? Acha que é fácil ser pobre? E como é que você sabe que eu moro numa casa assim? Além de drogado, é espião também?
- Espiões só observam pessoas importantes, José. Para sociedade de hoje, você só é mais uma peça pra construir o império dos mais fortes. Aliás, você se fez uma peça. Então eu não teria motivo nenhum para saber mais da sua vida que você, a não ser que eu fosse Deus.
- Eu mereço... Tá bom. Vamos imaginar que você é Deus mesmo.
- Se é assim que você quer me chamar...
- Tá, tá. Porque escolheu esse corpo tão sem graça?
Realmente, Deus estava bem maltrapilho. Estava vestido com roupas de segunda mão e com o rosto bem machucado, como se tivesse acabado de voltar do trabalho também.
- Eu não queria chamar atenção. Acha mesmo que se eu viesse como um homem bonito e elegante, eu não ia virar vítima de fofoca pela minha aparência? Não, obrigada. Já falam muito mal de mim sem que eu tenha nenhuma forma uma humana definida.
- E não tem? E essa de agora?
- Isso não sou eu, só é um canal que estou utilizando. Aliás, é um canal que algum representante de mim está usando. Você acha que eu estou muito satisfeito em estar fazendo isso? Eu já chamo tanto a sua atenção, mas não funciona. Vi-me obrigado a fazer isso.
- Chama minha atenção? Como? Eu não vejo nada.
- Você está olhando com os olhos errados, José. Aliás, mesmo que você usasse esses dois que você tem em sua cara, veria que grito com você todos os dias. Desde a hora que você levanta à que você dorme. E em seus sonhos também. Quem você acha que fez isso tudo e deu forças pra vocês todos fazerem o resto, ou melhor, destruírem o resto?
- Tá, tá. Se eu sou tão cego, surdo e doido assim, o que você queria me dizer?
- Que eu quero que você use seu bom senso.
- Tá me chamando de ignorante agora também? Ok, eu sei que não tenho muita educação formal mesmo, mas não sou tão burro assim quanto você pensa.
- Eu não disse que você é burro. Só quero que você analise melhor sua vida, e saiba usufruir melhor das minhas leis.
- De onde eu vim, leis só servem pra prender a gente.
- Se você me ouvisse, veria que não existe prisão pior pra você do que essa vida que você leva.
- E onde estão essas suas leis? Onde foi que você escreveu?
- Na sua consciência. Você a esqueceu e menosprezou. Agora eu quero que a lembre. ¹
- Lembre de onde? Você nunca me ensinou nada.
- Eu não era a mão que segurava a sua quando você estava aprendendo a escrever, mas era a força que segurava as duas. E assim vale tudo que você. Basta que você se lembre.
José desistiu de questionar. Deus suspirou e disse.
- Agora eu preciso ir. Existem outros como você e talvez em situações piores que a sua que precisam ouvir coisas parecidas com as que eu disse agora. Até breve, José.
E Deus saiu caminhando lentamente, ladeira abaixo, já que o tempo é realmente dele. José o observou até sua silhueta sumir. Sem entender muita coisa, continuou seu caminho para casa (agora em dúvida se era realmente sua casa), com a cabeça tentando digerir alguma coisa que foi dita por aquele que se dizia Deus. Ou um instrumento Dele. Ou algo assim.
Quase se espantou, o despertador já havia tocado e já era hora que acordar. Aquele não dia não havia acontecido. Fora tudo um sonho que o fez dar graças a Deus por nada daquilo ter realmente acontecido. Graças àqueles que havia lhe enchido a mente com o que pensar naquela noite. Mas o mesmo dia de verdade, ou aquele que José achava que era de verdade, veio. O mesmo de ontem, o de anteontem e talvez o de amanhã. Talvez. E talvez José tente esquecer ou encontrar seu bom senso novamente mergulhado em algum copo ou dentro dos olhos de alguém tão vazio quanto ele. Vazio de perspectiva, de sonhos. De vida. Não essa, mecânica e dura, mas a que deveríamos ter, e, enfim, teremos.



[¹]: Adaptado do Livro dos Espíritos, questão 621.

P.S.: Às vezes algumas mensagens são dadas às pessoas antes que elas possam entendê-las. Servem exatamente para que ela as interpretem e aprendam bem mais do que ela brutamente quer dizer. Mas de más interpretações e intenções o mundo ou inferno, seja como for que você prefira chamar esse lugar onde nós estamos, está cheio. O que resta é saber se os erros são por ignorância ou o aproveitamento da mesma, só que a alheia. No fim, ou no começo, todo mundo vai ter o que merece.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Entre o mar, a teoria e a prática

Diante do mar, minha prova favorita de que Deus existe, eu comecei meu ano mais uma vez contrariando a maioria. Diante do mar, eu não prometi nada. Nem pedi nada. E nem pulei nada. Ri pra uma onda que molhou meu vestido e pensei: O que vier está bom. Depois me senti um tanto quanto passiva à vontade de Deus, mas lembrei que não é bem assim. Eu ainda não sei bem o que faço, mas estou trilhando pra saber; daí, então, vou tentar arquitetar algo. Senti-me até lúcida, o que é difícil, quando pensei isso, porque me lembrei daqueles que se esquecem da teoria.

É aquela velha história (ou não). Teoria sem prática é só alucinação ou falta de coragem. Prática sem teoria é aonde o ser humano chega mais perto de ser animalesco. E entre a preguiça, o devaneio e o impulso, eu prefiro a preguiça e/ou o devaneio, sempre. Por isso, quando aqueles saem daqui do meu lado, dizendo que vão tentar ser felizes, eu sei que na verdade vão gastar saliva, palavras bonitas e dinheiro em vão. Eu repito pra mim mesma: Fico com minha preguiça. E meu devaneio, claro. Nada mais poético do que me imaginar gastando aqueles três elementos com alguém que realmente mereça. Mas só imaginar. A prática vã disso se tornou penosa. Rala. Sem cheiro. Sem gosto. Sem vida.

Alguns dizem que é só meu medo de gastar os três elementos. Acham que eu não gastei? Até demais. Até gasto, às vezes, só pra não esquecer o que posso sentir me entregando a isso tudo, mas acabo lembrando que devia ter continuado teorizando. Teorizar sentimentos, sempre. Cessando só pra me mostrar como se não os tivesse. Até que venha a hora de usá-los o mais racionalmente possível.